Dra. Lívia Machado – Alergologia e Imunologia

As alergias afetam a vida de mais de 2 bilhões de pessoas no mundo, e com o desmedido aumento ocorrido nos últimos 30 anos, espera-se que, até 2050, cerca de 50% da população sofra de alguma doença alérgica. Dados da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) mostram que até 30% do nosso povo possua alguma alergia.

A prevalência das alergias tem aumentado nas últimas décadas, especialmente em países urbanizados. Este artigo aborda as causas, sintomas, tipos, tratamentos convencionais e as últimas descobertas científicas no campo da alergologia.

Para que se tenha um quadro de alergia, é preciso que a pessoa tenha uma predisposição e seja exposta ao alérgeno. Ou seja, a alergia é uma combinação de herança genética e fatores ambientais desencadeadores do problema.

A alergia é uma reação exagerada do sistema imunológico direcionada a substâncias normalmente inofensivas, conhecidas como alérgenos.

Após o primeiro contato com o alérgeno, os leucócitos, que são células de defesa, produzem os anticorpos IgE, que, por sua vez, são nosso exército de defesa. Esse primeiro contato não gera sintomas de alergia, mas liga um alerta no organismo.

Se a pessoa for novamente exposta àquele alérgeno – e isso continuar se repetindo – o anticorpo IgE é acionado e leva a liberação de substâncias químicas pelos mastócitos (células que podem ser encontradas na pele, no sistema respiratório e no trato gastrointestinal), principalmente a histamina, resultando em sintomas de alergia.

FATORES DE RISCO

  1. Genética: Filhos de pais alérgicos têm 40 a 60% de chance de desenvolver alergias.
  2. Ambiente: Exposição precoce a poluição, tabaco e produtos químicos pode aumentar o risco.
  3. Higiene excessiva (Hipótese da Higiene): A falta de contato com microrganismos na infância pode prejudicar o desenvolvimento do sistema imunológico.
  4. Alterações climáticas: O aumento do CO₂ tem elevado a produção de pólen, agravando alergias respiratórias.

ALERGIAS vs. INTOLERÂNCIAS: QUAL A DIFERENÇA?

  • Alergia: É uma reação que envolve o sistema imunológico e produção do anticorpo IgE e pode evoluir de forma grave (anafilaxia).
    Ex.: Alergia a amendoim → choque anafilático.
  • Intolerância: Não envolve IgE, geralmente ocorre sintomas digestivos como distensão abdominal, flatulência, diarreia e tem desfechos menos perigosos.
    Ex.: Intolerância à lactose → diarreia, gases.

TIPOS COMUNS DE ALERGIAS

1. Alergias Respiratórias

  • Rinite alérgica: Espirros, coriza, coceira no nariz obstrução nasal, lacrimejamento e olhos vermelhos.
  • Asma alérgica: Chiado no peito, falta de ar, dor torácica e tosse seca.
  • Sinusite alérgica: Dor facial, congestão nasal e secreção espessa.

2. Alergias Alimentares

  • Leite, ovos, amendoim, trigo, soja, peixe e frutos do mar são os principais desencadeadores.
  • Sintomas: Urticária, inchaço (angioedema), vômitos, diarreia e, em casos graves, anafilaxia.

3. Dermatites Alérgicas

  • Dermatite atópica: Coceira intensa, pele seca e vermelhidão.
  • Dermatite de contato: Reação a níquel, perfumes ou látex, causando eczema.

4. Alergias a Medicamentos

  • Penicilina, anti-inflamatórios e anticonvulsivantes são os mais comuns.
  • Sintomas: Erupções cutâneas, coceira e, em casos raros, anafilaxia.

5. Alergia a Picadas de Insetos

  • Abelhas, vespas e formigas podem causar reações graves, como edema de glote e choque anafilático.

ALERGIAS PODEM APARECER EM QUALQUER IDADE?

Sim! Principalmente a asma, a rinite, a dermatite atópica e as alergias alimentares. Mas, de acordo com a literatura, as alergias respiratórias tendem a surgir mais frequentemente durante a infância e adolescência. É importante lembrar que as crianças, que têm um sistema imunológico mais imaturo, tendem a apresentar mais infecções respiratórias se comparadas a adultos.    

SINTOMAS

Os sintomas variam conforme o tipo de alergia e a sensibilidade de cada pessoa. Podem incluir:

1. Alergias respiratórias (rinite alérgica e asma):
Espirros frequentes

Coriza ou nariz entupido

Coceira nos olhos, nariz ou garganta

Tosse, chiado no peito e falta de ar (para casos de asma)

2. Alergias alimentares:
Coceira na boca ou garganta

Inchaço nos lábios, língua ou rosto

Dor abdominal, diarreia ou vômitos

Erupções cutâneas (urticária)

3. Reações graves:

  • Anafilaxia: Dificuldade para respirar, queda repentina da pressão arterial, tontura ou perda de consciência.

Lembrando que o diagnóstico de anafilaxia, ou choque anafilático precisa ser feito e forma rápida, assim como seu tratamento, que é feito com adrenalina intra-muscular na região do músculo vasto lateral da coxa.

Por se tratar de uma reação menos comum, precisamos aprender a diagnosticar de maneira efetiva, e assim fazemos uma esquematização didática, que explico a seguir:

DIAGNÓSTICO

Nas alergias, como em diversas especialidades médicas, o diagnóstico é norteado pela anamnese do paciente, na qual serão expostos os sintomas e órgãos acometidos, os fatores desencadeantes e o tempo entre exposição e surgimento dos sintomas. Costumamos falar que o médico alergista tem a função de detetive, pois precisa esmiuçar a queixa do paciente.

Mas, em alguns casos podemos lançar mão de exames como a dosagem de IgE específica no sangue, teste de puntura (prick test) e o teste de contato (patch test).

Além dos testes tradicionais (prick test e IgE específica), novas técnicas têm surgido:

  • Teste de provocação oral: Usado para confirmar alergias alimentares.
  • Component-resolved diagnosis (CRD): Identifica proteínas específicas do alérgeno (ex.: diferença entre alergia a leite cru vs. leite cozido).
  • Microbioma intestinal: Estudos recentes associam desequilíbrios na flora intestinal a maior risco de alergias.

Porém, os testes alérgicos não devem ser solicitados sem que haja uma correlação clínica com o tipo de alergia em questão, pois podem levar a erros diagnósticos e exclusão de alimentos ou medicamentos inadvertidamente.

TESTE CUTÂNEO OU PRICK TEST

Prick test ou como também conhecido, teste cutâneo de leitura imediata, é uma das formas mais eficazes de realizar o diagnóstico de  alergias de pele mediadas pela IgE (Imunoglobulina E). Esse teste está entre um dos mais modernos e pode ajudar o paciente a fazer o tratamento adequado e ter uma vida mais saudável.

O teste é realizado na região volar do antebraço. Essa parte é aquela que não costuma ter pêlos. 

No local, são colocadas os alérgenos a serem testados, além dos controles, controle positivo e o controle negativo. Em seguida, faz-se a puntura. Deve-se aguardar 15 a 20 minutos até a leitura do teste, onde será avaliado diâmetro da elevação da pápula, uma pequena protuberância na pele causada após a aplicação do teste, se o paciente for alérgico à(s) substância(s) testada(s).

Após a aplicação do teste cutâneo, possivelmente, a pele do paciente ficará vermelha e coçando. Apesar disso, é fundamental que o mesmo não venha a coçar seu braço. No entanto, não devemos esquecer que, para a realizar o prick test, primeiramente, se faz necessária a higienização do antebraço. Isso ocorre aplicando-se álcool 70%. 

A elevação da pápula representa uma reação em que existe a presença do anticorpo Imunoglobulina E (IgE) específico contra o alérgeno testado. Desta forma, consideram-se positivos os resultados nos quais o diâmetro da pápula é maior ou igual a três milímetros de acordo com o controle negativo.

Vale lembrar que a histamina sempre irá formar uma pápula maior ou igual a três milímetros. O significado do teste positivo refere-se a uma sensibilização e NÃO necessariamente à alergia.

Outro ponto importante referente ao teste cutâneo é a variação que pode ocorrer. Essa variação é chamada de Prick to prick onde, ao invés da utilização de extratos, o alérgeno testado é oferecido em sua forma natural, por exemplo, frutas e vegetais.

O puntor é aplicado na fruta ou vegetal fresco e, em seguida, na pele do antebraço do paciente. Esse teste é usado para saber se o paciente é sensível a frutas e vegetais.

Outro ponto importante a respeito do prick test são as condições que podem inviabilizá-lo. No caso, o uso de anti-histamínicos, por exemplo, compromete os resultados.

Podemos citar outras condições que podem dificultar um bom resultado do teste cutâneo, tais como, o uso de antidepressivo, uso de betabloqueadores, presença de lesões de pele, dermografismo.

Não existe idade mínima para realização do prick test. Os bebês com hipótese diagnóstica de  alergia à proteína do leite de vaca (APLV), mesmo que tenham poucos meses de idade podem realizar o exame.

No entanto, vale ressaltar que, se os resultados forem negativos, posteriormente é prudente que sejam realizados novos testes, para uma eficiência e assertividade maior no diagnóstico.

Para a realização do teste de alergia é importante que sejam usados puntores (material utilizado no teste) e extratos padronizados. É fundamental também a presença de profissionais habilitados com material para uma eventual emergência.

O teste cutâneo de puntura é feito por um especialista alergista e, apesar de ser bastante seguro, poderá desencadear algumas reações sistêmicas.

PATCH TEST OU TESTE DE CONTATO

Patch Test, também conhecido como Teste de Contato, é um exame usado para investigar tipos de alergias com base em dermatites provocadas pela reação da pele a determinadas substâncias.

São colocados adesivos sobre as costas do paciente com agentes alergênicos para saber a quais deles há irritabilidade, indicativo de rejeição corporal.

As alergias que apresentam reações tardias são as investigadas com esse exame. Em geral, o Patch Test analisa alergias a cosméticos, esmaltes, níquel, ouro e substâncias contidas em medicamentos.

Estudos mostraram que alergias alimentares com reações tardias, como as gastrointestinais, a esofagite eosinofílica e a dermatite atópica podem estar relacionadas a episódios alérgicos, os quais podem ser descobertos a partir deste exame.

São realizadas três idas ao local do teste e, na última, é dado o diagnóstico final de quais substâncias o paciente tem sensibilização. Após o resultado, seu médico deve fazer a associação do com seus sintomas para então concluir o que pode ser que esteja piorando sua alergia.             

TRATAMENTO

Engloba desde medidas de controle ambiental, dietas de exclusão até uso de medicamentos e será direcionado ao tipo de alergia.

  • Antialérgicos: Medicamentos para aliviar os sintomas imediatos
  • Corticoides: intranasal ou inalatório em casos específicos, por exemplo nas rinites e na asma, respectivamente
  • Hidratantes: para alguns casos que acometem a pele 
  • Dieta de exclusão: para evitar reações com alimentos
  • Imunoterapia: Injeções (vacinas de alergia) que ajudam o corpo a se acostumar com o alérgeno ao longo do tempo.
  1. Sublingual ou injetável: Reduz sensibilidade a alérgenos como pólen e ácaros.
  2. Duração: 3 a 5 anos, com eficácia de 70 a 90% em casos selecionados.
  • Terapias em Estudo:
  1. Anticorpos monoclonais (Omalizumabe): Bloqueiam a IgE, reduzindo crises de asma e urticária crônica.
  2. Probióticos: Pesquisas investigam se bactérias benéficas (ex.: Lactobacillus) podem prevenir alergias.
  3. Edição genética (CRISPR): Em fase experimental para “desligar” genes envolvidos em reações alérgicas.

PREVENÇÃO E DICAS PRÁTICAS

  • Mantenha a casa limpa e livre de ácaros.
  • Use capas antiácaros em colchões e travesseiros.
  • Evite alimentos ou produtos que desencadeiam alergias.
  • Para bebês: Aleitamento materno exclusivo até os 6 meses pode reduzir alergias.
  • Controle ambiental: Use purificadores de ar, capas antiácaros e evite umidade excessiva.
  • Rotulagem de alimentos: Leia sempre os ingredientes para evitar alérgenos ocultos.
  • Plano de ação: Pessoas com histórico de anafilaxia devem sempre carregar adrenalina.

CONCLUSÃO


As alergias podem ser incômodas ou até perigosas, mas com o diagnóstico correto e o tratamento adequado, é possível controlar os sintomas e levar uma vida normal.

As alergias são um problema de saúde global em ascensão, mas os avanços na medicina trazem novas esperanças para seu controle. Desde tratamentos biológicos até pesquisas com microbioma, a ciência está revolucionando o manejo das alergias. Se você sofre com alergias, consulte um alergologista para um diagnóstico preciso e tratamento personalizado.

REFERÊNCIAS

Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI)

Organização Mundial da Saúde (OMS)

American Academy of Allergy, Asthma & Immunology (AAAAI)

Aviso: Este conteúdo é informativo e não substitui orientação médica. Em casos de reação grave, procure atendimento de emergência.

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