Dra. Lívia Machado – Alergologia e Imunologia

A pele, o maior órgão do corpo humano, é a primeira linha de defesa contra agentes externos como microrganismos, produtos químicos e fatores ambientais. No entanto, em algumas pessoas, essa barreira reage de forma exagerada a substâncias inofensivas, desencadeando reações alérgicas. As alergias de pele são condições comuns que afetam milhões de pessoas em todo o mundo, causando desconforto físico, impacto emocional e, em casos graves, complicações significativas. Este texto explora os tipos de alergias cutâneas, suas causas, sintomas, métodos de diagnóstico, opções de tratamento e estratégias de prevenção.

O Que São Alergias de Pele?

As alergias de pele são respostas imunes exacerbadas do organismo a substâncias (alérgenos) que, em indivíduos não alérgicos, não causariam reações. Essas reações envolvem a liberação de histamina e outras substâncias químicas pelas células do sistema imunológico, levando a inflamação, vermelhidão, coceira e outros sintomas característicos.

Diferentemente das irritações cutâneas comuns, que podem ocorrer após contato com substâncias agressivas (como ácidos), as alergias são mediadas pelo sistema imunológico e dependem de uma sensibilização prévia ao alérgeno. Isso significa que o corpo “memoriza” o contato inicial com a substância e, em exposições futuras, reage de forma mais intensa.

Tipos de Alergias de Pele

Existem diversas formas de alergias cutâneas, cada uma com características distintas:

Dermatite de Contato Alérgica

Ocorre quando a pele entra em contato direto com um alérgeno. Exemplos comuns incluem:

– Metais: Níquel (presente em bijuterias, botões de calça e acessórios).

– Produtos químicos: Perfumes, conservantes em cosméticos (parabenos), corantes.

– Plantas: Hera venenosa, carvalho ou sumaco.

– Látex: Presente em luvas, balões e alguns dispositivos médicos.

A reação geralmente se limita à área de contato, mas pode se espalhar em casos graves.

Dermatite Atópica (Eczema)

Condição crônica, não contagiosa, associada a uma predisposição genética e a fatores ambientais. É comum em crianças, mas pode persistir na idade adulta. Caracteriza-se por pele seca, coceira intensa e lesões avermelhadas, principalmente em dobras (como cotovelos e joelhos). Vamos entender melhor:

  • O Que Acontece com a Pele? 
    – A barreira natural da pele não funciona bem, deixando escapar hidratação e permitindo a entrada de irritantes (como poeira ou produtos químicos). 
    – Reage exageradamente a coisas simples, causando inflamação e coceira. 
  • Principais Sintomas 
    – Crianças: Pele seca, vermelhidão no rosto, cotovelos e joelhos. 
    – Adultos: Áreas mais grossas e ásperas (mãos, pescoço, dobras da pele). 
    – Coceira intensa que piora à noite, podendo atrapalhar o sono. 
    Em crises graves podem surgir lesões com líquido, crostas ou descamação

  • O Que Piora?  
    – Produtos químicos: Sabões, detergentes, perfumes. 
    – Tecidos ásperos: Lã ou sintéticos. 
    – Calor e suor: Pioram a coceira. 
    – Estresse emocional. 
    – Alérgenos: Ácaros, pólen, mofo. 
    – Alimentos: Não é a primeira coisa a se pensar no diagnóstico, mas *em alguns casos graves* pode estar associada à alergia ao leite, ovos ou amendoim, e por isso só devem ser evitados com orientação médica. 

Dicas Práticas 

– Tenha sempre um hidratante disponível

– Use roupas de algodão e lave-as com sabão neutro.

– Mantenha o ambiente fresco e ventilado. 

– Controle o estresse com técnicas como meditação. 
– Evite coçar: Use compressas frias ou curativos para não machucar a pele. 

Quando Procurar um Médico?

– Se a pele estiver com pus, dor ou febre (sinais de infecção). 


– Se os sintomas não melhorarem com cuidados básicos. 

– Para confirmar o diagnóstico e receber um plano personalizado. 

A dermatite atópica não tem cura, mas pode ser controlada com os cuidados certos.

Urticária

Manifesta-se como vergões vermelhos e inchados (urticas) que coçam intensamente.

Nos casos de urticária aguda (duração de até 6 semanas) pode ser desencadeada por alimentos (como frutos do mar, amendoim), medicamentos (penicilina, aspirina) ou picadas de insetos.

Nas urticárias crônicas, que duram mais de 6 semanas, o estresse funciona como gatilho dessas alergias. O diagnóstico não vai ser direcionado para os alimentos ou medicamentos, mas para eventos físicos (água, vibração, pressão, calor e frio) ou os casos em que não se consegue identificar uma causa específica e nomeamos como urticária crônica idiopática.

Alergias a Medicamentos

Alergias a medicamentos ocorrem quando o sistema imunológico reage de forma exagerada a um remédio, como se ele fosse uma ameaça. Nem toda reação adversa a um remédio é alergia (pode ser um efeito colateral comum), mas as alergias são respostas específicas do sistema imunológico. Vamos conhecer os principais subtipos:

Reação Imediata (Tipo I – IgE-Mediada) 


– O que acontece: O corpo produz anticorpos chamados IgE contra o medicamento, liberando substâncias como a histamina em minutos ou horas. 


– Sintomas: 
– Leves: Coceira, urticária (placas vermelhas na pele), inchaço nos lábios ou olhos. 
– Graves: Anafilaxia (dificuldade para respirar, queda de pressão, desmaio). 
– Exemplos: Penicilina, aspirina, anti-inflamatórios (como ibuprofeno), anestésicos. 

– Tratamento: Antihistamínicos ou adrenalina (em casos graves).

Reação Citotóxica (Tipo II) 

O que acontece: Anticorpos (IgG ou IgM) atacam células do corpo que interagiram com o medicamento, destruindo-as. 

Sintomas: 
– Anemia, redução de plaquetas (manchas roxas na pele), febre. 
– Pode afetar rins ou fígado. 
– Exemplos: Alguns antibióticos (cefalosporinas), remédios para hipertensão (metildopa). 

– **Tratamento**: Suspender o medicamento e tratar os sintomas. 

Reação por Complexos Imunes (Tipo III) 

– O que acontece: O medicamento se liga a anticorpos, formando “aglomerados” (complexos imunes) que se depositam em tecidos, causando inflamação. 

– Sintomas: Febre, dor nas articulações, inchaço, manchas na pele. Pode lembrar uma gripe prolongada. 
– Exemplos: Penicilina, sulfas, vacinas. 

Reação Tardia (Tipo IV – Celular)** 
– O que acontece: Células de defesa (linfócitos T), não anticorpos, causam inflamação dias após o contato com o remédio. 

– Sintomas: Erupções cutâneas (vermelhidão, bolinhas), descamação. 
– Em casos graves: Dermatite esfoliativa (pele “descascando”). 
– Exemplos: Antibióticos (sulfas), anticonvulsivantes (fenitoína), quimioterápicos. 

– Tratamento: Suspender o medicamento e usar corticoides tópicos ou orais. 

**Outras Reações Imunes** 


– Síndrome de Hipersensibilidade Medicamentosa (DRESS): 
  – Reação grave com febre alta, inchaço, lesões na pele e danos a órgãos (fígado, rins). 
  – Comum com anticonvulsivantes e antibióticos. 

– Necrólise Epidérmica Tóxica (NET) e Síndrome de Stevens-Johnson: 
  – Reações raras e perigosas, com bolhas e queimaduras na pele. 
  – Associadas a sulfas, anticonvulsivantes e alguns analgésicos.

 

O Que Fazer Se Suspeitar de Alergia?

1. Pare de usar o remédio e procure um médico. 
2. Anote o nome do medicamento e os sintomas. 
3. Evite automedicação – mesmo remédios “similares” podem causar reação. 
4. Testes de alergia (como prick test ou intradérmicos) podem confirmar o diagnóstico. 

* Mitos Comuns 


“Se não coçou, não é alergia”: Alergias podem causar sintomas variados, como inchaço ou falta de ar. 
“Só acontece na primeira dose”: Pode ocorrer mesmo após anos de uso sem problemas. 
“Alergia a um remédio = alergia a todos da mesma classe”: Nem sempre! Ex.: Alergia a uma penicilina não significa reação a todas.

Alergias a medicamentos podem ser perigosas, mas com cuidados e acompanhamento, é possível evitar crises e encontrar alternativas seguras. 

Dermatite de Contato Irritativa

A dermatite de contato irritativa é uma reação da pele que ocorre quando ela entra em contato direto com substâncias que danificam sua camada protetora, causando irritação. Diferente da alergia, não envolve o sistema imunológico – é uma “agressão química ou física” à pele. Vamos entender melhor:

O Que Causa? 


São substâncias que, em contato prolongado ou repetido, agridem a pele, como: 
– Produtos de limpeza: Sabão, detergente e desinfetantes. 
– Ácidos ou álcalis: Tintas, solventes e cimento. 
– Atrito ou umidade excessiva: Uso de luvas apertadas, suor e água muito quente. 
– Até mesmo água: Lavar as mãos muitas vezes ao dia pode ressecar a pele. 

Exemplos comuns: 
– Faxineiras que usam produtos sem luvas. 
– Pessoas que trabalham com alimentos (contato constante com água e sabão). 
– Bebês com assaduras (contato prolongado com urina e fezes). 

Principais Sintomas 
– Vermelhidão na área de contato, ardor, queimação ou dor (mais comum que coceira). 
– Pele seca, rachada ou descamando. 
– Em casos graves: feridas, bolhas ou crostas. 

Locais mais frequentes: 
– Mãos (principalmente), pés, rosto ou qualquer área exposta ao irritante. 

Quem Está em Risco? 
– Pessoas com pele sensível ou já danificada. 
– Profissões de risco: Limpeza, construção civil, saúde, culinária. 
– Bebês e idosos (pele mais fina e frágil). 

Diferenças Entre Dermatite Irritativa e Alérgica 

CARACTERÍSTICADERMATITE IRRITATIVADERMATITE ALÉRGICA
CAUSAContato com substância agressivaReação do sistema imunológico a um alérgeno
PRIMEIRO CONTATOPode ocorrer na primeira exposiçãoGeralmente surge após múltiplas exposições
SINTOMASArdor, vermelhidão e rachadurasCoceira intensa, bolhas e inchaço
LOCALÁrea exata do contatoPode se espalhar além do local do contato

Como Tratar? 
* Elimine o contato com o irritante: Identifique e evite a substância causadora. 
* Lave a área com água fria: Se o contato foi recente. 
* Hidrate a pele: Use cremes à base de vaselina ou ceramidas para restaurar a barreira cutânea. 
* Pomadas reparadoras: Produtos com zinco, pantenol ou dexpantenol ajudam na cicatrização. 
* Em casos graves: Pomadas com corticoide (só com orientação médica)

Prevenção 
* Use luvas de vinil ou nitrila (não latex, que pode causar alergia) ao manipular produtos químicos. 
* Seque bem a pele após lavar as mãos ou entrar em contato com água. 
* Substitua produtos agressivos: Opte por sabões neutros e sem perfume. 
* Use cremes “protetores de barreira” (como os usados para assaduras em bebês)

A dermatite irritativa é comum e evitável! Com cuidados simples, é possível proteger a pele e manter sua função de barreira natural. 

*Dica extra: Se sua pele fica irritada com frequência, reveja seus hábitos e produtos de uso diário!*

Causas e Fatores de Risco

As alergias de pele resultam da combinação de fatores genéticos, ambientais e imunológicos:

Genética: Pessoas com histórico familiar de alergias (atópicas) têm maior risco.

Exposição a alérgenos: Contato repetido com substâncias sensibilizantes.

Barreira cutânea comprometida: Pele seca ou lesada facilita a penetração de alérgenos.

Desregulação do sistema imunológico: Doenças autoimunes ou desequilíbrios imunológicos.

Fatores ambientais: Poluição, mudanças climáticas e uso excessivo de produtos químicos.

Sintomas das Alergias de Pele

– Vermelhidão (eritema): Áreas inflamadas e quentes ao toque.

– Coceira (prurido): Intensa e persistente, muitas vezes piorando à noite.

– Descamação ou crostas: Comum em eczema crônico.

– Inchaço (edema): Localizado ou generalizado.

– Bolhas ou vesículas: Pequenas bolhas com líquido claro, especialmente em dermatite de contato.

– Ressecamento: Pele áspera e com rachaduras.

Diagnóstico das Alergias de Pele

O diagnóstico envolve avaliação clínica e testes específicos:

– Histórico médico: Identificação de possíveis alérgenos e padrão de sintomas.

– Teste de contato (Patch test): Adesivos com alérgenos são aplicados nas costas por 48 horas para observar reações.

– Teste de puntura (prick test): Usado para detectar alergias a alimentos ou inalantes, com pequenas picadas na pele.

– Exames de sangue: Medem níveis de IgE (anticorpos associados a alergias).

– Biópsia cutânea: Em casos raros, para descartar outras doenças.

Tratamento das Alergias de Pele

O manejo das alergias de pele visa aliviar sintomas e prevenir recorrências:

Medicamentos

– Anti-histamínicos orais: Reduzem coceira e inflamação.

– Corticosteroides tópicos: Cremes ou pomadas para reduzir vermelhidão e inchaço.

– Imunomoduladores: Inibidores da calcineurina para eczema resistente, funcionando como poupador de corticoide.

– Antibióticos: Se houver infecção secundária por bactérias.

– Injeções de corticosteroides: Para casos graves de urticária ou angioedema.

Terapias Biológicas

Novos medicamentos imunobiológicos, bloqueiam proteínas inflamatórias específicas (ex.: interleucinas), sendo eficazes em eczema grave.

Atualmente estão disponíveis também medicamentos imunomoduladores, como inibidores da JAK (janus quinase), que atuam inibindo enzimas envolvidas na inflamação e são utilizados em casos graves de dermatite atópica.

Cuidados com a Pele

– Hidratação: Uso diário de cremes emolientes para restaurar a barreira cutânea.

– Sabonetes líquidos: para diminuir ressecamento da pele.

– Banhos frios ou mornos: Evitar água quente, que resseca a pele.

– Compressas frias: Aliviam coceira e inchaço.

– Wet wraps ou Bandagens úmidas: Baseia-se na aplicação de duas camadas de bandagens, de tecido de algodão ou gaze, uma úmida seguida de outra seca, aplicadas sobre o hidratante, após um banho de imersão em água morna. As bandagens devem ser mantidas por, no mínimo, duas horas, e no máximo, 12 horas.

Evitar Alérgenos

Identificar e eliminar a exposição a substâncias desencadeadoras é crucial. Por exemplo:

– Substituir bijuterias por alternativas sem níquel.

– Usar produtos hipoalergênicos e sem fragrância.

– Ler rótulos de alimentos para evitar alérgenos conhecidos.

Prevenção e Gestão a Longo Prazo

– Educação do paciente: Entender os gatilhos e como evitá-los.

– Roupas adequadas: Preferir tecidos naturais (algodão) e evitar lã ou sintéticos.

– Ambiente controlado: Usar umidificadores em climas secos e manter a casa livre de ácaros.

– Dieta equilibrada: Em casos de alergias alimentares associadas, seguir orientação nutricional.

Impacto Psicossocial

Alergias crônicas, como o eczema, podem afetar a autoestima e a qualidade de vida, especialmente em crianças. A coceira constante interfere no sono e na concentração, enquanto lesões visíveis podem causar constrangimento. Apoio psicológico e grupos de ajuda são recursos valiosos.

Avanços na Pesquisa

Estudos recentes exploram:

– Microbioma cutâneo: O papel de bactérias benéficas na prevenção de alergias.

– Vacinas de dessensibilização: Para reduzir reações a alérgenos específicos.

– Terapias genéticas: Modulação de genes envolvidos na resposta imune.

Conclusão

As alergias de pele são condições multifatoriais que exigem abordagem personalizada. Embora não tenham cura definitiva, o diagnóstico preciso, tratamento adequado e medidas preventivas permitem controle eficaz. A conscientização sobre os gatilhos e o acesso a cuidados dermatológicos são essenciais para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Com avanços contínuos na medicina, espera-se que novas terapias tragam alívio ainda maior no futuro

Este texto oferece uma visão abrangente das alergias cutâneas, destacando a importância do cuidado integrado entre pacientes, familiares e profissionais de saúde.

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